ÍSIS SEM VÉU
H.P.Blavatsky
Compilação: Mário J.B. Oliveira


CONCEPÇÕES SOBRE AS RELIGIÕES. (L. 2 pág. 137.).

A afirmação prudente de Santo Agostinho, um nome favorito das conferências de Max Müller, que diz que "não há nenhuma falsa religião que não contenha alguns elementos de verdade", poderia ainda ser considerada como correta; ainda mais que, longe de ser original para o Bispo de Hipona, foi emprestada por ele das obras de Ammonius Saccas, o grande mestre alexandrino.

Este filósofo "versado em divindade", o theodidaktos, repetira à exaustão estas mesmas palavras e suas numerosas obras cerca de 140 anos antes de Santo Agostinho. Admitindo que Jesus era "um homem excelente, e amigo de Deus", ele sempre afirmou que o seu objetivo não era abolir a comunicação com os deuses e os demônios (espíritos), mas apenas purificar as religiões antigas; que "a religião da multidão caminhava de mãos dadas com a Filosofia e com ela dividia a sorte de ser gradualmente corrompida e obscurecida com presunções, superstições e mentiras puramente humanas; que ela devia, em conseqüência, ser levada de volta à sua pureza original por meio da purgação da sua escória e do seu estabelecimento em princípios filosóficos; e que o único objetivo do Cristo era reinstalar e restaurar em sua integridade primitiva a sabedoria dos antigos".

Foi Ammonius o primeiro a ensinar que toda religião se baseava numa mesma verdade’ que é a sabedoria que está nos Livros de Thoth (Hermes Trimegisto), de que Pitágoras e Platão extraíram toda a sua filosofia. Ele afirmava que as doutrinas do primeiro estavam identicamente de acordo com os primeiros ensinamentos dos brâmanes - agora contidos nos Vedas mais antigos. "O nome Thorth, diz o Prof. Wilder, "significa um colégio ou uma assembléia", e não é improvável que os livros fossem assim chamados, pois eles continham os oráculos colecionados e as doutrinas da fraternidade sacerdotal de Mênfis. O rabino Wise sugere uma hipótese similar em relação às fórmulas divinas registradas nas Escrituras hebraicas. Mas os escritores indianos afirmam que, durante o reinado do rei Kansa, os Yadus [os judeus?], ou a tribo sagrada, abandonaram a Índia e migraram para o Oeste levando consigo os quatro Vedas. Havia certamente uma grande semelhança entre as doutrinas filosóficas e os costumes religiosos dos egípcios e dois budistas orientais; mas não se sabe se os livros herméticos e os quatro Vedas eram idênticos".

Mas uma coisa é certa: antes que a palavra filósofo fosse pronunciada pela primeira vez por Pitágoras na corte do rei dos filisianos, a "doutrina secreta" ou sabedoria era idêntica em todos os países. Em conseqüência, é nos textos mais antigos - aqueles mesmos contaminados por falsificações posteriores - que devemos procurar a verdade. E, agora que a Filosofia está de posse de textos sânscritos que se pode afirmar seguramente serem documentos anteriores à Bíblia mosaica, é dever dos eruditos apresentar ao mundo a verdade, e nada mais que a verdade. Sem considerações para com o preconceito cético ou teológico, eles devem examinar imparcialmente ambos os documentos - os Vedas mais antigos e o Velho Testamento -, e então decidir qual dos dois é a Sruti ou Revelação original e qual não é Smriti, que, como mostra Max Müller, significa apenas lembrança ou tradição.

Parece que os reverendos padres da Ordem dos Jesuítas aprenderam muitos artifícios em suas viagens missionárias. Baldinger reconhece o seu mérito.

Cometário, em sua Horae subcisivae, narra que, certa vez, existiu uma grande rivalidade quanto a "milagres" entre os monges agostinianos e os jesuítas. Numa discussão levada a efeito o padre geral dos monges agostinianos, que era muito culto, e o dos jesuítas, que era muito inculto, mas dotado de conhecimento mágico, este propôs se resolvesse a questão colocando-se à prova os seus subordinados e descobrindo-se quais deles estariam mais dispostos a obedecer aos seus superiores. Logo depois, dirigindo-se a um dos seus jesuítas, disse: "Irmão Marcos, nossos companheiros têm frio; eu te ordeno, e nome da santa obediência que me juraste, traze aqui imediatamente fogo da cozinha e, em tuas mãos, alguns carvões incandescentes, para que eles se aqueçam enquanto os seguras". O Irmão Marcos obedeceu instantaneamente e trouxe em ambas as mãos um punhado de brasas incandescentes, que segurou até que o grupo dissesse estar aquecido, após o que devolveu os carvões ao fogão da cozinha. O padre geral dos monges agostinianos abaixou a cabeça, pois nenhum de seus subordinados o obedeceria até esse ponto. O triunfo dos jesuítas foi, assim, reconhecido.

No Ocidente, um "sensitivo" tem de entrar em transe antes de se tornar invulnerável, por "guias" que o presidem, e desafiamos qualquer "médium", em seu estado físico normal, a enterrar os braços até os cotovelos em carvão ardente. Mas no Oriente, quer o executor seja um lama santo ou um feiticeiro mercenário (estes são em geral chamados de "prestidigitadores"), ele não necessita de nenhuma preparação, nem se coloca num estado anormal para se capaz de segurar o fogo, peças de ferro em brasa ou chumbo fundido. Vimos na Índia meridional esses "prestidigitadores" que mantinham as suas mãos no interior de carvões ardentes até que estes fossem reduzidos a cinzas. Durante a cerimônia de Siva-râtri, ou a vigília noturna de Sivã, quando as pessoas passam noites inteiras velando e orando, alguns dos sivaítas chamam um prestidigitador tâmil que produziu os fenômenos mais maravilhosos apenas chamando em seu socorro um espírito que denominavam Kutti-Shâttan - o pequeno demônio.

Mas, longe de permitir que o povo pensasse fosse ele guiado ou "controlado" por esse gnomo - pois ele era um gnomo, fosse ele alguma coisa -, o homem, enquanto se debruçava sobre o seu inferno ardente, repreendeu soberbamente um missionário católico que aproveitou a ocasião para informar os espectadores que o miserável pecador "se havia vendido a Satã". Sem remover as mãos e braços dos carvões ardentes nos quais ele se refrescava, o tâmil apenas voltou a cabeça e olhou com arrogância para o missionário afogueado. "O meu pai e o pai do meu pai", disse ele, "tinham este ‘pequeno demônio’ às suas ordens. Por dois séculos o Kutti é um servidor fiel de nossa casa, e agora, Senhor, queres fazer crer ao povo que ele é meu dono! Mas eles sabem mais e melhor do que isso." Em seguida, retirou calmamente as mãos do fogo e passou as executar outros prodígios.

Quanto aos poderes maravilhosos de predição e de clarividência apresentados por certos brâmanes, eles são bastantes conhecidos por todos os europeus que residem na Índia. Se estes, ao retornarem aos seus países "civilizados", se riem de tais histórias, e algumas vezes até as negam completamente, eles apenas impugnam a sua boa fé, não o fato. Esses brâmanes vivem principalmente em "aldeias sagrada" e em lugares isolados, mormente na costa ocidental da Índia. Evitam cidades populosas e especialmente o contado com os europeus, e é muito raro que estes últimos consigam tornar-se íntimos dos "videntes". Acredita-se geralmente que esta circunstância se deva à sua observância religiosa da casta; mas estamos firmemente convencidos de que em muitos casos a razão não é essa. Anos, talvez séculos, passarão antes que a verdadeira razão seja conhecida.

Quando às castas mais baixas - algumas das quais são chamadas pelos missionários de adoradores do Diabo, apesar dos esforços piedosos por parte dos missionários católicos para difundir na Europa relatos de partir o coração sobra a miséria dessas pessoas "vendidas ao Arquiinimigo"; e apesar das tentativas análogas, talvez um pouco menos ridículas e absurdas, dos missionários protestantes -, a palavra demônio, no sentido que lhe dão os cristãos, é uma não-entidade para elas. Elas acreditam em espíritos bons e em espíritos maus; mas não adoram nem temem o Diabo. A sua "adoração" é apenas uma precaução cerimoniosa contra espíritos "terrestres" e humanos, a quem temem mais do que aos milhões de elementais de diversas formas. Utilizam-se de todos tipos de música, incenso e perfumes em seus esforços de afugentar os "maus espíritos" (os elementares). Nesse caso, elas não devem ser mais ridicularizadas do que aquele cientista muito conhecido, um espiritista convicto, que sugeriu a posse de vitríolo e salitre em pó para manter à distância os "espíritos desagradáveis"; e não estão mais errados do que ele em fazer o que fazem; pois a experiência dos seus ancestrais, que se estendeu por muitos milhares de anos, ensinou-lhes a maneira de proceder contra essa vil "horda espiritual". O que demostra que se trata de espíritos humanos é o fato de que eles tentam muito freqüentemente satisfazer e apaziguar as "larvas" dos seus próprios parentes e das suas filhas, quando têm muitas razões para suspeitar de que estas não morreram com odor de santidade e de castidade. Chamam a tais espíritos de "Kanyâs", virgens más. O caso foi noticiado por muitos missionários, dentre os quais o reverendo E. Lewis. Mas esses piedosos cavalheiros insistem em que eles adoram demônios, quando nada fazem de semelhante; apenas tentam continuar mantendo boas relações com eles a fim de não serem molestados. Oferecem-lhes bolos e frutos e várias espécies de comida de que gostam quando estavam vivos, pois muitos deles experimentaram os efeitos da maldade desses "mortos" que retornam, cujas perseguições são as vezes terríveis. É segundo este princípio que eles agem em relação aos espíritos de todos os homens perversos. Deixam sobre os seus túmulos, se foram enterrados, ou perto do lugar em que os seus restos foram cremados, alimentos e licores com o objetivo de mantê-los próximos desses lugares e com a idéia de que esses vampiros serão dessa maneira impedidos de voltar às suas casas. Isso não é adoração; é antes uma espécie prática de espiritismo. Até 1861, prevalecia entre os hindus o costume de mutilar os pés dos assassinos executados, na crença firme de que, deste modo, a alma desencarnada seria impossibilitada de vagar e de cometer mais ações más. Mais tarde, foi proibida, pela polícia, a continuação dessa prática.

Uma outra boa razão para se dizer que os hindus não adoram o "Diabo" é o fato de que eles não possuem nenhuma palavra com esse significado. Eles denominam esses espíritos de "pûtam", que corresponde antes ao nosso "espectro", ou diabrete malicioso; outra expressão que eles empregam é "pey" e o sânscrito pisacha, ambas significando fantasmas ou "retornados" - talvez duendes, em alguns casos. Os pûtam são os mais terríveis, pois eles são literalmente "espectros obsessivos", que voltam à Terra para atormentar os vivos. Acredita-se que eles visitem geralmente os lugares em que os seus corpos foram cremados. O "fogo" ou os "espíritos de Sivã" são idênticos aos gnomos e às salamandras dos Rosa-cruzes; pois são pintados sob a forma de anões de aparência assustadora e vivem na terra e no fogo. O demônio cingalês chamado Dewal é uma robusta e sorridente figura feminina que usa um babado branco elisabetano ao redor do pescoço, e uma jaqueta vermelha.

Como o Dr. Warton observa muito justamente: "Não há noção mais estritamente oriental do que a dos dragões do romance e da ficção; elas estão entremisturados com todas as tradições de uma data antiga e conferem a elas uma espécie de prova ilustrativa de sua origem". Não há escritos em que essas figuras sejam tão marcantes quanto nos detalhes do Budismo; registram particulares dos nagãs, ou serpente reais, que habitam as cavidades subterrâneas e correspondem às moradias de Tirésias e dos videntes gregos, uma religião de mistério e de escuridão na qual se pratica o sistema de adivinhação e da resposta oracular, ligada à inflação, ou de uma espécie de possessão, que designa o próprio espírito de Píton, a serpente-dragão espécie de possessão, que designa o próprio espírito de Píton, a serpente-dragão morta por Apolo. Mas os budistas não acreditam mais do que os hindus no demônio do sistema cristão - isto é, uma entidade tão distinta da humanidade quanto a própria Divindade. Os budistas ensinam que existem deuses inferiores que foram homens neste ou outro planeta, porém que ainda assim foram homens. Eles acreditam nos nagãs, que foram feiticeiros na terra, pessoas más, e que transmitem a outros homens maus e vivos o poder de empestar todos os frutos para os quais olhem, e até mesmo as vidas humanas. Quando um cingalês tem a fama de fazer murchar e morrer uma árvore ou uma pessoa para a qual olhe, diz-se que ele tem o Nâga-Râjan, ou o rei-serpente, dentro de si. Todo o interminável catálogo dos espíritos maus não compreende um único termo de designe um diabo no sentido que o clero cristão quer que o entendamos, mas apenas para pecados, crimes e pensamentos humanos encarnados espiritualmente, se assim podemos dizer. Os deuses-demônios azuis, verdes, amarelos e purpura, bem como os deuses inferiores de Yugamdhara, pertencem mais à espécie de gênios, e muitos são tão bons e benevolentes quanto as próprias divindades de Nat, embora os nats contem entre eles gigantes, gênios do mal e outros espíritos análogos que habitam o deserto do monte Yugamdhara.

A verdadeira doutrina de Buddha diz que os demônios, quando a natureza produziu o Sol, a Lua e as estrelas, eram seres humanos que, em virtude dos seus pecados, foram privados do seu estado de felicidade. Se cometem pecados maiores, sofrem punição maiores, e os homens condenados são considerados pelos budistas como diabos; ao passo que, ao contrário, os demônios que morrem (espíritos elementais) e nascem ou se encarnam como homens, e não cometem mais nenhum pecado, podem chegar ao estado de felicidade celestial. Isto é uma demonstração, diz Edward Upham em sua History and Doctrine of Buddhism, de que todos os seres, tanto divinos quanto humanos, estão sujeitos às leis da transmigração, que agem sobre todos, de acordo com a escala de atos morais. Esta fé, então, é um teste completo de um código de motivos e leis morais, aplicado à regulamentação e ao governo do homem, um experimento, acrescenta ele, "que torna o estudo do Budismo um assunto importante e curioso para o filósofo".

Os hindus acreditam, tão firmemente quanto os sérvios ou os húngaros, em vampiros. Além disso, a sua doutrina é a mesma de Piérart, famoso espiritista e mesmerizador francês cuja escola floresceu há uma dezena de anos. "O fato de que um espectro venha sugar o sangue humano", diz esse Doutor, "não é tão inexplicável quanto parece e aqui apelamos aos espiritistas que admitem o fenômeno da bicorporeidade ou duplicação da alma. As mãos que apertamos (...) esses membros ‘materializados’, tão palpáveis (...) provam claramente o que podem [os espectros astrais] em condições físicas favoráveis".

Este honorável médico reproduz a teoria dos cabalistas. Os Shedim são a última das ordens dos espíritos. Maimônides, que nos conta que os seus concidadãos eram obrigados a manter um comércio íntimo com os seus mortos, descreve o festim de sangue que eles celebravam nessas ocasiões. Eles cavavam um buraco, no qual se despejava sangue fresco e sobre o qual se colocava uma mesa; depois, os "espíritos" vinham e respondiam a todas as questões.

Piérart, cuja doutrina estava baseada na dos teurgos, manifesta uma ardente indignação contra a superstição do clero que exige, todas as vezes em que um cadáver é suspeito de vampirismo, que uma estaca lhe seja cravada no coração. Na medida em que a forma astral não está totalmente liberada do corpo, há a possibilidade de que ela seja forçada por atração magnética a entrar novamente nele. Às vezes ela poderá sair apenas até a metade, quando o cadáver, que apresenta a aparência de morte, for cremado. Em tais casos, a alma astral aterrorizada reentrará violentamente no seu invólucro; e, então, acontece uma dessas duas coisas: ou a vítima infeliz se contorce na tortura agonizante da sufocação, ou, se foi material grosseiro, ela se torna um vampiro. A vida bicorpórea começa; e esses desafortunados catalépticos enterrados sustentam as suas vidas miseráveis fazendo os seus corpos astrais roubarem o sangue vital de pessoas vivas. A forma etérea pode ir aonde desejar; e, à medida que ela quebre o laço que a prende ao corpo, ela está livre para vaguear, invisível, e se alimentar de vítimas humanas. "De acordo com todas as aparências, este ‘espírito’ transmite então, por meio de um cordão de ligação misterioso e invisível, que talvez possa algum dia ser explicado, os resultados da sucção ao corpo material que jaz inerte no centro do túmulo, ajudando-o assim a perpetuar o estado de catalepsia."







Loja Teosófica Virtual São Paulo © 1996-99